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terça-feira, 6 de abril de 2010

O Pretoguês: vernáculo afro-brasileiro

Naquele entre-vista Zoel Zito Araújo fala da beleza da mestiçagem à brasileira e de nossa loucura, enquanto povo mestiço, em querer ser branco, tudo reflete em ser o homem branco, a mulher branca, coisas essas que Frantz Fanon escreveu bem em seu livro Pele Negra, Máscaras Brancas.

Kabengele Munanga lembra aos desavisados que a humanidade é mestiça. Se olhar com a lupa veremos que o que chamamos de espanhol, pode ser negação para aquela menina do país basco ou aquele menino catalão, ou o milanes, piamontes lá na italia… ou a diversidade étnica para os povos banto. Que um ucraniano casar com uma italiana, também é mestiçagem, embora brancos… assim como banto e mandiga. A questão é dentro da mestiçagem, da diversidade, eu como diferente me ver e coexistir.

Navegando pela blogsfera eu vejo os gritos desesperados (sinestesia, por favor! “Só poetas são capazes de entender poesia”, diria Paulo Leminski) contra a morte da língua portuguesa. Até aí tudo bem, se estiverem em portugal, o problema é quando querem isso estando no Brasil. Oras, o idioma falado no Brasil é o brasileiro! O software livre tem caminhando para esse reconhecimento, quando tem português-brasileiro na configuração de idioma em aplicativos.

Essa loucura é o assassinato da diversidade, coisas que a farsa da democracia racial no Brasil tem feito muito bem. Como posso estar falando errado quando as pessoas de onde eu moro me entende perfeitamente? As pessoas que me relaciono, meu ambiente social assim diz e assim é o correto. E viajando pelo país a diversidade dentro desse idioma brasileiro não é pouco. Seus vernáculo… os encontros e desencontros de tamanha riqueza.

A influência de língua banto, yorubá, árabe, italiana, francesa, tupi, guarani, japonesa e tantas outras são simplesmente atropeladas. E ainda mais aquilo que foi modificado. Tratam a língua como algo morto. Mas ela é viva e se transforma.

Vejo a internet como uma grande possibilidade dessa diversidade se mostrar além bairro, além local e ir pro global. Mas a censura se faz presente e os argumentos… são os mesmo que mantem o status quo: escreva correto, não mate os acentos, z e s, bem bom, mal mau… Brasil com P., preto pobre e puta agora falam, e isso incomoda. É como a touca preta zapatista e tampa o rosto do indigena que nunca foi percebido, que agora é percebido, pois não mostra o rosto para quem sempre o nego, e fala, do seu jeito, e  não deixa morrer a flor da palavra. Esquecem que é escrevendo e lendo que podem aprender outras formas de fazer a escrita e a leitura. Lembra daquele vídeo-documentário sobre Paulo Freire, quando ele lembra de seu primeiro dia de aula como educador, quando o educando escrevendo na lousa o nome de sua companheira e começa a dar uma gargalhada sem fim? poizé, o fato e a memória dele, tipo, o sentimento de Freire lembrando são outras formas de escrever  também, como já ensina Amadou Hampate Ba. Ou basta ler Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus.

O Pretoguês é vernáculo afro-brasileiro, nosso jeito de falar o que queremos, escrevo o que eu quero, né Biko?! e como eu quero, como eu sou. Minha escrita além de dizer quem sou, como sou, o que penso, ela é por si só parte de mim, fruto do que sou, da realidade histórica, do contexto social, dos valores culturais, da descendência étnica-racial. Não precisamos nos integrar na sociedade: nós somos a sociedade. Sim, igualdade na diversidade. Além de toda a violência sofrida ainda querem que falamos, que empregue o verbo, à forma e semelhança do colonizador. Aff…

A galera indígena tem batida na mesma tecla, com seus sites bilingue, com a luta pelas línguas maternas. Recentemente li um texto da Soraya Misleh falando “O Brasil que a mídia oculta também é árabe”, brasileiramente árabe, né Natália?!.

Ser poliglota em saber que para nós aqui mandioca, é a mesma coisa que aipim ou macaxeira em outro lugar, embora macaxeira seja macaxeira e mandioca é outra coisa, como insistia em explicar para mim lá n norte… sim, eu sei, só a interativa na tradução regional… então manda aquela porção de macaxeira com carne seca então. Ou cacetim, pão francês e massa grossa são o mesmo tipo de pão… mas la, aqui e acolá.

Entender que quando falamos diáspora africana tem sentido diferente de  diáspora judaica. Entender o que o movimento negro quer dizer quando  fala Raça, Negro, Racismo… ou o cordel, rap, reggae, samba… os trocadilhos e diretas cantadas no sambada de coco, do jongo. Embora “E  não te ensino a minha malandragem / Nem tão pouco minha filosofia / Quem dá luz a cego é bengala branca em Santa Luzia” letra Que Bloco  É Esse, de Ilê Aiyê. O pretoguês nas letras de resistência e asè do afoxé de Alafin Oyó.

Buscar na diversidade a felicidade, a vida e não a morte. diversidade onde tudo é igual, não rola, já não cairemos mais nessa. Durante a primeira conferência livre de comunicação para cultura, lá em chão grande, pernambuco, insistimos na tese: “Regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal com a aprovação de leis que garantam percentual de conteúdo regional e independente, observando a diversidade étnica, de gênero, religiosa para exibição nos canais de sinal aberto e por assinatura e nos mais diversos suportes e sua rigorosa fiscalização”, creio que isso tenha que valer para web também, mas não por lei, mas consciência.

Um livro bem bacana nesse sentido, é Falando Banto ou Novo Dicionário Banto do Brasil, Nei Lopes. Percebo que uma galera é desmotivada a escrever logo quando alguém diz que ela tem que escrever certo lá no blog, no wiki, no site. Certo pra quem?

O jeito da mestra, do mestre, d@ griot, falar, das voltas, cores e exemplos para explicar algo, diante da impaciência do racionalismo objetivo, do pragmatismo neoliberal… a uniformidade das coisas em negação ao diverso, dos tempos… do silêncio.

Não é o ódio contra tudo aquilo que é português, mas sim o enaltecimento e a defesa do que é latente: a apropriação do meios e a produção pelos condenados da Terra.

Texto de Banto PalmarinoExtraído do blog Trezentos

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