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domingo, 21 de março de 2010

Brasil pode realizar plebiscito sobre cotas raciais

As sessões dos dias 3, 4 e 5 de março da audiência pública sobre cotas raciais no sistema educacional, promovida pelo Supremo Tribunal Federal em Brasília-DF para subsidiar os ministros da corte de justiça para o julgamento do mérito da ação, transcorreram em clima de tranqüilidade. Várias entidades negras e outras da sociedade civil fizeram vigília in loco e em vários Estados, para acompanhar os pronunciamentos.

Os pronunciamentos na audiência pública foram feitos por juristas, parlamentares, defensores, acusadores e representantes das partes envolvidas e da sociedade civil - negros e brancos - especialistas na questão e representantes de diversos segmento sociais. O ministro da Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos, “preto”, apresentou dados que revelam a desvantagem de negros em relação a brancos. O índice de analfabetismo de jovens de 15 anos, por exemplo, é 2,2% maior entre pretos e pardos. Além disso, os negros representam 73% dos 10% mais pobres no país, e apenas 15% dos 10% mais ricos. "Isso demonstra a necessidade de uma intervenção do Estado, que não deve se manter distante e neutro diante do quadro de desigualdade do país", defendeu o ministro.

O Brasil é o maior país em concentração de população afro-descendente e dentre os mais de 190 milhões de habitantes, em torno de 49,5% são recenseados como “pretos e pardos”. Numa projeção demográfica dos órgãos oficiais de estatística, o novo censo pode anunciar, em breve, a população negra como maioria no país. A estatística se reverte sempre em desvantagem para os afro-descendentes em quase todos os setores da sociedade, com os negros figurando como maioria nas estatísticas de morte por violência e marginalidade e quase ausentes em postos de comandos de responsabilidade.

O senador Demóstenes Torres, “branco”, do DEM – partido político que entrou na justiça com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o sistema de cotas, apelou para a co-responsabilidade dos negros no sistema escravista vigente no Brasil durante quatro séculos. Ele alegou que os países da África subsaariana forneceram “escravos” para o mundo antigo, islâmico, Europa e para a América. Ele disse também que a abolição da escravatura em 1888 concedeu a cidadania a todos os libertados. O senador ainda trouxe o exemplo da miscigenação no Brasil para defender a tese da democracia racial e que teria se dado de forma consensual e não “pelo estupro” como “fala-se”.  O DEM constitui uma das maiores agremiações políticas no país, herdeiro de antigas forças políticas oligárquicas que comandaram o Brasil por mais 30 anos foi acusado em diversas falas na audiência de nunca ter feito recorte racial em suas ações partidárias e negros em seus quadros de comando. 
O antropólogo Kabengele Munanga, “preto”, professor da Universidade de São Paulo (USP), citou o exemplo dele próprio “como uma voz que veio da África, mas que está no Brasil há 35 anos”. Ele foi o primeiro negro a ingressar e a concluir um doutorado em antropologia social no Centro de Estudos Africanos da USP e o único negro professor desde a fundação daquele departamento, sem vislumbrar a possibilidade de um segundo professor negro naquele departamento após a sua em breve aposentadoria. Ele qualificou de quadro gritante a ausência e ou raridade de negros com alta qualificação nos quadros das universidades e em cargos de alta responsabilidade em outros setores da vida nacional, quando comparado com outros países que conviveram com práticas racistas, como os Estados Unidos e África do Sul, “este último, às vésperas da extinção do apartheid, tinha mais negros com diploma do que o Brasil de hoje”.
O ministro do STF Joaquim Barbosa, único “preto” da corte, enfatizou a importância "da inserção consequente de minorais no sistema educativo do país. Outros depoimentos de negros e brancos defenderam que ao contrario de países que buscaram soluções para superação do racismo através de conflitos sangrentos, no Brasil os negros estão buscando o caminho da igualdade civil de forma ordeira e democrática.
A audiência foi presidida pelo supremo ministro Gilmar Mendes, “branco” e terá como desdobramento a elaboração de parecer a ser feito pelo ministro Ricardo Lewandowski, “branco” que poderá submeter a matéria a um plebiscito nacional, trazido em algumas falas e diante da correlação de forças demonstrada no tribunal. 

Texto: Ana Alakija

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